La Fenêtre















Há muito a janela da casa
era a janela do mundo:
do pássaro, a asa
do tempo, o segundo
da música, a rima.

Olhando a vida de cima,
o que não existia, criava.
Nem tinha medo do escuro!
Quando a cortina fechava
espiava o amor por um furo.

Todos os dias eram o mesmo dia,
brincava, dançava, sorria.
E quando dormia sonhava.
Então tudo recomeçava,
pois dentro da casa o mundo todo cabia.

Mas a asa quebrou,
O segundo passou,
A rima cantou.

Da janela fechada
olhava a casa vazia.
Da fronte cansada
Encarava o muro que se desfazia.

E por mais que pensasse, não entendia
Como a vida lá fora
esquecera no tempo
todo o amor que lhe tinha.


(Clarissa Castella)

Vermelho em branco
Riscado o desenho sinuoso
Apela aos meus olhos tamanho contraste
E entorpece o tempo
...que não mais corre
...que escorre
...dormente...
Por este rubro em branco.
São dois rios;
E uma vida.

insone

como a sede e o sono

para nutrir

o que é de ler

e o que é de sentir.

pois uma palavra

corta-me

mais que a áspera língua

e pesa-me

bem mais que as noites.

Fragmentos #3

"...em teu grito há tanto silêncio
e isso até seria ruim
se o teu silêncio não me contasse tanto
(...)
porque quando te calo a boca
és, em tudo, muda.
Então, eu te sei..."

do início ao fim


Uma vez ela me pediu: - ama-me.
Então eu disse: - uma única vez apenas.
Ela sorriu.
Eu sorri.
Isso foi o início

Desta vez ela me pediu: - vem comigo.
Eu disse: - uma única vez apenas.
Ela sorriu e dormiu.
Eu sorri e dormi.
Este foi o fim.

de uma vez

Como se cutuca a onça, faço agora com meus sentimentos...

...e com as letras preguiçosas que teimam em não sair de seu sono:

-Acorda, toma-me e sai. Porque sou pequeno demais para que caibas em mim!



(em agradecimento a quem me inspira de alguma forma inexplicável)

Descobrindo Um Presente...


(...)

Pois o sentido da palavra é oculto

Mas tu, que tens este olhar,

De saber o tom de minha palavra

Pelo jeito próprio de ser riscada

Desabrocha-a como a primavera

Faz em tua Rosa Azul.

à quem me sabe ler.

"acorde"

Do silêncio te acordo pra lembrar
Pousando cintura em colo
Meus dedos pressionam
E por tua boca redonda
Falas por mim
"acorde"
E um dedo desliza
Pela razão que escorre de tua mão
Há uma satisfação implícita num riso
Tua voz está perfeita
Mais uns afagos para certificar o teu despertar
Paro e sinto o teu cheiro escondido
Bem lá no fundo
Homeopática fragrância
Diluída no tempo
O mesmo tempo que percorro através de tua voz
Que só sente quem se lembra
De todos esses anos
De todos os colos que deitaste
De todos os ouvidos que ninaste
De todos os amores que cantaste
De todas as notas que pintaste
Como pauta no ar
Pelo meu torto tocar
Traz-me tua voz e me encanta
Canta meu violão, canta!


ao meu confidente mais íntimo: Meu Eagle DH-69

Fragmentos #2

"...mas, lembro...
Realmente lembro do que me disseste:
"tens o dom da palavra"
E recordo-me acreditar em tua boca
mas, é certo também dizer que
nunca fui capaz de transformar-te numa letra..."

minha saudade tem tua voz. [FRLS]

A Chamada

...triiim... triiim... triiim.

E a chamada caiu de novo.

Cláudio, que estava afastado uns quinze metros do telefone público, sentado no banco da pracinha, rangia os dentes, batia a perna contra o chão e estalava os dedos freneticamente. Ele já começava a sentir uma agonia vinda da boca do estômago. Uma raiva que ele podia jurar que em instantes se tornaria impulso para os murros que daria na cara daquele homem que nunca vira antes. Aquele desgraçado e vil sujeito que simplesmente não compreendia uma coisa tão fácil, tão trivial, porém tão necessária ao progresso tranqüilo de continuidade de uma sociedade como a nossa. Cláudio encarava o sujeito despreocupado, encostado no mastro que abrigava o orelhão. Este, olhava para um vazio que aparentava ser muito distante, totalmente alheio à ira que começava a causar úlceras em Cláudio. O telefone começou a tocar novamente — triiim... triiim... triiim... —, Cláudio não agüentou mais aquele desaforo e partiu com tudo pra cima do homem despreocupado que, de tão tranqüilo, nem notou os passos furiosos daquele que estava prestes a esmurrar a sua cara até afundar o seu nariz.

— Ei, você! (...triiim.. triiim...) — o homem não se deu ao trabalho nem de olhar para Cláudio ao ouvi-lo. Então, chegando mais perto e pisando tão duro que se podia sentir abalos sísmicos, gritou. — Ei, você aí no orelhão!

A esta altura Cláudio estava há no máximo dois metros do sujeito que, com o volume dos berros de Cláudio, franziu o cenho e o encarou pela beira do olho.

— Diga — seu tom foi o mais seco de emoção possível para aquela palavra.

— Não vai atender o telefone?

— Como é? (triiim...)

— O telefone! Você está surdo por acaso?!

E a ligação voltou a cair.

— Ah, caiu — com um sorriso de tamanha zombaria que Cláudio não agüentou. Passou a mão pelas suíças com tanta veemência num gesto quase descontrolado que por um instante deformou seu rosto.

— E por que diabos você não atendeu?

— E por que deveria atender?

— Porque estava tocando! Você é surdo ou doido?

— E daí que estava tocando. Não era pra mim e também eu tenho uma filosofia. Não atendo telefones públicos.

— Mas que filosofia idiota é essa?

—Pelo menos eu tenho uma.

—Poderia ser alguém pedindo socorro.

— E por que diabos alguém iria pedir socorro por um orelhão? Tá parecendo que o doido aqui é você — e soltou uma gargalhada que deixou Cláudio vermelho — Escuta aqui meu amigo, relaxe. Não era ninguém ligando pra mim e nem pra você.

— Meu amigo é o caralho! — o fato de Cláudio lançar mão daquele termo significava que não ia demorar muito pra sentar uma bifa nas fuças daquele sujeitinho insolente. — Não sou seu amigo — e o telefone começa a tocar de novo — Agora atenda o telefone!

— Não atendo porra nenhuma! — nesse momento o sujeitinho já parecia também estar puto da vida (triiim... triiim...) — Agora, se você é lunático suficiente, me obrigue.

Essa última palavra não foi pronunciada por completo. Antes disso a mão serrada, dura feito um bloco de concreto, atingiu a cara do sujeito quase tirando todos seus dentes do lugar original. O sujeito saiu tombando pra cima do orelhão que continuava insistentemente a tocar. Ainda tonto, procurando aquele doido que aparecera em sua frente para lhe exigir algo tão ridículo, se agarrou ao mastro que se escorava minutos antes.

— Mas que filho-da...

Cláudio não esperou ele recobrar os sentidos e partiu como um touro pra cima dele, dando uma cabeçada no peito do sujeito que caiu e o levou junto. As pessoas começaram a se amontoar para assistir ao espetáculo.

Algum estraga-prazeres puxou Cláudio de cima do sujeito de cara desenhada com filamentos de sangue. O sujeito aproveitando essa oportunidade se lançou contra os dois desferindo golpes sem se importar se atingiriam Cláudio ou o intrometido que o segurava. Nessa hora um amigo do estraga-prazeres tomou as dores deste e entrou na briga. Outro achando uma injustiça o sujeito ser espancado por três pessoas ao mesmo tempo foi acudi-lo. Em menos de trinta segundos havia uma briga generalizada que foi crescendo e tomando a rua, a praça. Cláudio foi o único preso naquele dia, acusado de promover a desordem. Enquanto ele era arrastado e colocado na mala do carro da polícia como um pacote o telefone tocava e ele gritava:

— Atendam o telefone seus idiotas. Atendam o telefone! — um idiota confesso puxou o fone do gancho e o colocou contra o ouvido direito.

— Alô?

Cláudio foi trancado dentro do porta-malas antes de saber do que se tratava. Sentia um alívio no peito.


minha primeira aventura pelo mundo dos contos. Novos caminhos abertos à pena.